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sexta-feira, 10 de agosto de 2012

PARÁBOLA DA CADEIRA


          Era uma vez uma cadeira, velha, vacilante, uma das mais arrebentadas que já se viu. Sua pintura estava toda enrugada, gasta, a cor desbotada. Verdadeiramente um desastre! Não podia mais sustentar o próprio peso, crescente de ano para ano. Raspões, sujeiras, manchas, pés frágeis, pedaços quebrados. Não chegava mesmo a se lembrar de sua beleza primitiva. Uma camada de pintura após outra era toda a sua vida passada. Parecia tão mal que alguns sugeriram até cobri-la para não ferir a visão dos outros. Uma vez por outra, uma nova retocada na pintura a melhorava. Depois, novamente, rachava e descascava de alto a baixo, tornando-a pior do que antes. Era preto em cima de vermelho, azul, verde, branco, amarelo, camada por camada... Pobre cadeira! Como recordar o que era, sob tantas camadas sucessivas?

Um belo dia, entretanto, ela se viu entre as mãos de um marceneiro. Não sabia mesmo como havia chegado lá. Havia sido triste chegar ali na pressa, aos empurrões e sacudidas no fundo de um caminhão. Mas já que estava ali ... Não queria, porém, prestar atenção a nada. Afinal, já havia passado por tantos lugares mais ou menos idênticos...

O marceneiro tomou a cadeira e lavou-a cuidadosamente. Havia algo no seu jeito que intrigou a cadeira. Ai deixou passar e se resignou a receber uma nova camada de pintura. Que surpresa, porém! Esta não veio. Ao contrário, o marceneiro se pôs a raspar a pintura. E como doía. A cura, entretanto, estava nestas mãos que machucavam.

Pacientemente, o marceneiro ia de camada em camada, cantarolando para ela: “Cadeira, o marceneiro te conhece, tua real beleza ele a conhece, ele sabe que tu não és irreparável, senão pela graça de seu cuidado amável”. O canto acalmou um pouco a cadeira. Ela não sabia, porém, o que pensar. O que estava acontecendo? Por que parecia mais pesada? “Eu não agüento mais”, gritava ela. “Parem com isso, cubram-me, deixem-me só”. Dia após dia, contudo, o marceneiro perseverava. Oh! Sim, por vezes dava alguns dias de repouso à cadeira. Que alívio sentia, ainda que estivesse terrivelmente consciente de que faltava muito em seu caminho.

Dolorosamente, o marceneiro foi atravessando pouco a pouco o preto, o vermelho, o azul, o verde, o branco... A cadeira percebeu, então, uma mudança no modo de agir dele. Sempre cheio de cuidados, tornou-se mais ainda para evitar qualquer machucadura.


Na última camada, no amarelo, quando este começou a sair, a cadeira, num primeiro suspiro vital, teve uma idéia do que se encontrava debaixo. Não mais na pintura, mas madeira, madeira maravilhosa. Começou, assim, a compreender a ação do marceneiro e porque seu tratamento havia mudado na derradeira camada “para não atingir a bela madeira que se revelava agora”.

A cadeira estava apressava no desejo de se ver melhor. Pouco a pouco, a madeira apareceu plenamente. Que sensação de prazer e glória, que revelação! Ela cantava e dançava alegremente. Com esse sofrimento, abandonou o marceneiro para viver livre da pintura, livre para ser ela mesma. Enfim, não tinha mesmo necessidade dele...! A vida parecia como uma realidade nova excitante, pela primeira vez depois de tanto tempo.

Aos poucos, entretanto, os sinais da glória se dissiparam. Às vezes, passava pelo marceneiro e via que outras cadeiras, mesas, móveis se reconstruíam por suas mãos para reencontrar seu esplendor natural. Pareciam, mesmo, refletir a beleza do próprio marceneiro. Era estranho constatar que não se havia apercebido antes de como sua cadeira era rústica e sem brilho...

Humildemente, voltou ao marceneiro e passou muito tempo com ele. Em lugar de ocupar-se de milhares de coisas, permanecia ao seu lado. Num certo dia, ele lhe disse: “Penso que você está preparada”. Tomou-a novamente, e a esfregou com uma lixa (e como machucava!). Só agora, porém, sabia que o marceneiro era conhecedor do seu trabalho. Ele esfrega, toma uma lixa mais fina ainda. E como foi bom desta vez! Jamais sentiu massagem tão agradável!...

Em seguida, passou uma estranha substância que realçou o calor da madeira e sua beleza, acrescentando-lhe um toque delicado, doce, acetinado. Ela jamais se imaginou tão bela! Por orgulho, cadeira chamou alguém que passava para sentar-se, mas quase se quebrou toda, esquecida da fragilidade de suas pernas. Amedrontada, correu para o marceneiro que a fez esperar um momento, para fazê-la tomar consciência de sua própria fraqueza. Depois, colou-a com solidez, comunicando-lhe um pouco de sua força.

Alguns dias mais tarde, olhando-se, cadeira perceberam alguns riscos, um pouco de poeira aqui, um ponto machucado ali. Foi tomado pelo pânico, um velho medo vindo à superfície, a idéia de se recoberta de pintura. Desesperada, agitou-se. Depois, parando, olhando longamente o marceneiro, veio-lhe a luz definitiva. Tinha necessidade dele não somente uma vez, mas para sempre. Havia sido restaurada por ele e era através dele que poderia continuar a crescer em beleza. Precisava ser tirada a poeira por ele, limpa, lixada, para guardar sua solidez. Sim, já não era possível pensar em levar uma vida independente. Mas também não precisava mais temer as camadas de pintura.



Tirado dos EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS DA VIDA COTIDIANA (EVC)

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